A introdução do karatê no Brasil está intrinsecamente ligada à imigração japonesa, que teve seu ápice nas primeiras décadas do século XX. Entre 1908 e 1941, milhares de japoneses desembarcaram no país em busca de oportunidades, trazendo consigo tradições culturais que, lentamente, se enraizariam no solo brasileiro. Inicialmente, artes marciais como o judô e o jiu-jitsu ganharam espaço nas colônias nipônicas, servindo como ferramentas de preservação identitária. O karatê, porém, demorou mais a chegar, pois sua popularização no Japão só ocorreu após a Segunda Guerra Mundial, o que retardou sua difusão no exterior.
Os primeiros registros de práticas semelhantes ao karatê no Brasil datam da década de 1950, ainda de forma incipiente. Foi nesse período que Mitsuke Harada, discípulo direto de Gichin Funakoshi — fundador do estilo Shotokan —, desembarcou no país. Harada, radicado inicialmente em São Paulo, dedicou-se a difundir os princípios técnicos e filosóficos da arte, adaptando-se às limitações de uma comunidade ainda pequena e sem infraestrutura específica. Paralelamente, em 1956, chegou Yasutaka Tanaka, outro pioneiro que estabeleceu uma das primeiras academias formais de karatê na capital paulista, atraindo não apenas descendentes de japoneses, mas também brasileiros de outras origens.
A década de 1960 marcou a consolidação da arte no território nacional, com a chegada de mestres japoneses de diferentes escolas. Shikan Akamine, representante do estilo Kyokushin — conhecido por seu caráter combativo —, fundou em 1962 a Academia Okinawa, em São Paulo, ampliando o leque de técnicas disponíveis. Na mesma época, Sadamu Uriu, especialista em Goju-ryu, iniciou seu trabalho no Rio de Janeiro, enquanto Yoshihide Shinzato, também do Goju-ryu, estabeleceu bases no Nordeste. Esses mestres não apenas ministravam aulas, mas formavam instrutores locais, garantindo a continuidade do ensino.
O crescimento exponencial do karatê nos anos 1970 deveu-se à organização institucional. Em 1972, foi fundada a Confederação Brasileira de Karatê (CBK), entidade responsável por regulamentar a prática esportiva, promover campeonatos e filiar o país a federações internacionais. A criação da CBK coincidiu com a realização do primeiro Campeonato Brasileiro, em 1973, evento que revelou talentos como Luiz Tasuke Watanabe, um dos primeiros atletas a representar o Brasil no exterior. Além disso, a década testemunhou a chegada de Sensei Hidetaka Nishiyama, renomado mestre de Shotokan, que realizou seminários e fortaleceu os laços técnicos com o Japão.
Na virada para os anos 1980, o karatê já havia transcendido as fronteiras das comunidades japonesas, integrando-se à cultura esportiva nacional. Academias proliferavam em grandes cidades, e o estilo Shotokan predominava, seguido por Kyokushin e Goju-ryu. Competições nacionais e sul-americanas consagraram nomes como Antonio Carlos Pinto, um dos precursores da modalidade de kumite (luta) no país. A participação brasileira em eventos como o Campeonato Mundial da WUKO (União Mundial de Organizações de Karatê) colocou o Brasil no mapa internacional da modalidade, embora ainda distante das potências tradicionais.
Culturalmente, o karatê assimilou características locais. A miscigenação técnica, influenciada por outras artes marciais já estabelecidas, como a capoeira e o jiu-jitsu, resultou em adaptações particulares. Além disso, a popularização do cinema de artes marciais, com astros como Bruce Lee, alimentou o imaginário juvenil, atraindo novos praticantes.
Ao final dos anos 1980, o karatê brasileiro havia alcançado maturidade. A CBK contava com federações estaduais estruturadas, e atletas nacionais colecionavam medalhas em torneios continentais. A arte, outrora restrita a salas improvisadas, agora ocupava ginásios e gerava ídolos, preparando o terreno para a era moderna, marcada por inovações técnicas e maior profissionalização. Assim, a trajetória do karatê no Brasil, desde seus primórdios discretos até a consolidação como esporte de destaque, reflete não apenas a determinação de pioneiros, mas também a capacidade de uma cultura milenar se reinventar em solo tropical.